terça-feira, 10 de janeiro de 2012

"Mar Português" por Fernanda Moreira

MAR PORTUGUÊS


Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!


Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.


Fernando Pessoa, in Mensagem


No passado dia 25.06.2011, realizou-se aquela que já começa a ser uma tradição da ATUPO: a homenagem ao Povo do Mar, concretamente Gira de Marinheiros, sob o olhar benevolente da Grande Mãe, Yemanjá!


A deslocação à praia foi massiva e, ao contrário do que aconteceu no ano passado, o tempo estava quente… tão quente… que a areia ameaçava arrancar-nos a pele da planta dos pés.


O ambiente estava fantástico! O céu estava resplandecente de azul e a água do mar era um lenitivo para as nossas aflições, i.e., o calor escaldante, num claro simbolismo entre as dores da nossa alma e o amparo que a Mãe Yemanjá nos dá!


O pescador/marinheiro faz parte não só do imaginário português, mas também da nossa história. A navegação aventureira, na procura de Novos Mundos há muito que se foi, mas a tradição e a ligação ao mar manteve-se até às presentes gerações até porque, de acordo com o grande poeta, “ainda falta cumprir Portugal”.


O certo é que, de todas as histórias que se contam, nasceu um “tipo” psicológico ou arquétipo do marujo: brigão, truculento, alegre e dado a celebrações. O Homem cuja vida dura, não o impedia de levar a palavra saudade a todo o mundo, não deixando por isso de celebrar o maior dom que Deus nos deu – A VIDA.


Foi um sucesso anunciado!

Com a experiência adquirida nos anos anteriores pudemos melhorar um pouco esta homenagem e dedicar-nos exclusivamente a celebrar a alegria de bem viver as nossas existências de acordo com a visão dos Marujos.


Estes chegaram alegremente, depois da verificação dos caminhos por Ogum e da bênção concedida por Yemanjá.


No seu estilo vigoroso e alegre, muitas vezes provocador, deram a volta à assistência, falaram com todos os devotos – e foram tantos os que se fizeram presentes – aconselharam, deram passes, fizeram descarregos e também doutrinaram.


O sotaque é de terras de Vera Cruz, excepção feita apenas ao caso do Sr. Agostinho, “Português dos 4 costados”, ali dos lados de Peniche e que nas palavras do Prof. Ismael Pordeus Jr. no seu livro “Portugal em Transe” prova “a concretização da transnacionalização do panteão” e “deixa antever um panteão na Umbanda de Portugal”


A tarde foi passando amena, quase sem se fazer sentir. Ouviam-se murmúrios aqui, choros mais ao fundo, gargalhadas em todo o lado.


Deixamos de prestar atenção ao calor sufocante. O calor humano, a Fé e a Alegria por nos encontrarmos, mais uma vez, a fazer esta homenagem juntamente com esta mole humana que continua a aumentar, alterou a nossa percepção do tempo. Quando nos apercebemos, tinha chegado o momento de verdadeiramente honrar Yemanjá e de formalmente fazermos a entrega das centenas de rosas brancas que entre todos nós, corrente e assistência, conseguimos reunir.


Fez-se a corrente mais longa de todas as que já vimos estender-se pela extensão total do areal. As cores dourado da areia e branca dos trajes em perfeita harmonia com o azul do céu e os tons esverdeados do mar, todos parte de um caleidoscópio colorido, iluminado pelo sol que nos honrava com a sua presença radiosa.

Numa tal extensão de corrente, os cantos tornaram-se entrecortados por ritmos diversos, a ponto de uma ponta cantar um verso e a ponta oposta cantar um outro. Todos entoavam os mesmos cânticos com emoção e entrega total ao momento em jeito de compensação.


Aqui impõe-se uma comparação. No ano anterior, aproveitando a transformação do dia invernoso em dia estival, o Sr. Martim fez questão de realçar o quanto o Tempo é um mestre sábio que muito tem para nos ensinar. Falou de perseverança; estabeleceu um paralelo entre o tempo e a vida e concluiu dizendo que “na vida acontece como com o tempo: quem fica até ao fim, quem persiste sobre as contrariedades da vida sem desistir, no final é recompensado com a bonança, com um dia claro, um céu limpo e com uma brisa ligeira.


Este ano complementou a mensagem! Não se fez “o maior círculo/corrente de Umbanda alguma vez feito em Portugal” como no ano passado, antes se organizaram os participantes em 4 círculos concêntricos, como que numa mandala humana representativa dos diversos níveis de evolução, pelos quais os seres humanos têm de passar até atingir um nível de consciência que se harmonize com a obra divina. O Sr. Martim Pescador, aproveitou para realçar que esse número não era uma mera coincidência, porque o 4 representa a família, a união, numa referência à máxima da “união faz a força” e da importância da Família, em sentido amplo, para o fortalecimento do nosso ser e para o nosso equilíbrio, bem como para o equilíbrio do Todo.


Terminou-se esta homenagem com o Ponto “Eu sou o sereno da noite” cantado a uma só voz e a plenos pulmões.


Tal como as caravelas quinhentistas chegaram bem longe, diz quem ouviu que este canto se propagou nitidamente ao longo da praia, levando ainda mais longe o convite dos marujos: “Canta comigo agora / esquece a tristeza e vamos cantar / pois quem canta seus males espanta / deixando as tristezas / a felicidade começa a chegar!”


Fernanda Moreira

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