Vivemos numa era em que a informação corre mais rápida do que a velocidade da luz. O mundo está de portas escancaradas em qualquer monitor, telemóvel ou em qualquer outro dispositivo que, devidamente apetrechado, possibilita um acesso directo e praticamente ilimitado a um mundo de informação e conhecimento, que nem mesmo o mais competente dos cérebros humanos conseguirá albergar numa fracção, quanto mais na totalidade.
Vivemos inundados pelas redes sociais, pela partilha de vídeos, imagens e de informação pessoal. A noção de privacidade, ou falta dela, alterou-se radicalmente nos tempos modernos. São os tempos em que a vida alheia está em directo nas nossas mãos, sem filtros e sem censuras. São os tempos das crenças e ideologias pessoais partilhadas; sujeitas a apreciação e julgamento por alguém que poderá habitar nos nossos antípodas, tanto geográfica como espiritual e humanamente.
A questão impõe-se: serão estes factos benéficos? Aqui reside a grande dúvida.
Certamente que, devidamente utilizada, a internet é uma fonte de riqueza inesgotável. Actualmente não existe, nem nunca existiu, forma mais competente de partilha de experiências e conhecimentos.
Os beneficio são ímpares. Mas, como não há bela sem senão, os malefícios são equiparáveis.
Utilizada na sua forma mais nefasta, a internet é um veiculo demolidor sob qualquer prisma em que se efectue a análise. Facilmente transforma a ordem natural e humanizada dos processos, mesmo dos mais sistematizados e enraizados.
E é aqui que, no ponto de vista dos cultos Afro-Brasileiros, a internet se poderá tornar aliada ou inimiga da religião.
Se por um lado, é certo e verdade que devidamente utilizada, a internet funciona como um perfeito veiculo de disseminação dos valores defendidos por quem de facto e na realidade é do Santo, por outro poderá minar um sistema funcional e hierarquizado, que está instituí-
do com sucesso há milhares de anos, por pessoas que nada conheciam destas tecnologias.
Actualmente, cada qual escreve na internet o que quer, da forma que quer e com a mensagem que quer, seja Abian, Yaô ou Bábálórísá / Yálórisá. Ou pior ainda, não sendo absolutamente nada na hierarquia dos Cultos Afro.
Verdadeiros chorrilhos de disparates são escritos em nome do Santo. O que é, como é óbvio, muito mau para a religião. Mas pior ainda, é para quem, por desconhecimento, os interpreta como realidade, tentando dessa forma, encurtar caminho na apreensão de um conhecimento que apenas poderá ser transmitido da forma tradicional: de Pai ou Mãe de Santo para filho, de forma oral ou através da prática, aguçando a capacidade de apreensão e perspicácia de quem recebe o ensinamento, assim como o julgamento do momento exacto para o passar, de quem ensina. Esta é a verdadeira e única maneira do Orisá.
O Candomblé e restantes cultos afro, não se coadunam com pressas nem atalhos, ou tampouco com curiosidade desmedida e a qualquer custo. Terá de aprender
quem merecer, terá de ensinar quem tiver fundamento para tal. Porque senão, e parafraseando alguém de enorme evolução espiritual, em vez de filhos do Pai ou Mãe A, B ou C, teríamos apenas filhos da Mãe Net e do Pai Google…. ou seja, sem fundamento e sem as de-vidas etapas que são imperativas na progressão espiritual e académica de quem, com as suas obrigações, sobe os degraus da sua religião.
Esta exposição gratuita de falso conhecimento, muitas vezes planta a confusão na mente dos mais incautos, uma vez que poderão colocar em causa o que lhes é ensinado por quem de direito, por contraponto ao que leram, erradamente, na Internet.
Estas acções de pavoneamento do conhecimento, destroem ao invés de construir. Dividem ao invés de unir. Estupidificam ao invés de ensinar. Apenas quem tem a mão no Ori de alguém, saberá se chegou a altura de passar determinado Awô (segredo).
Para comprovar o dito, basta pensar que nenhum cirurgião está apto para operar, se ao invés de frequentar a Faculdade de Medicina, ler compêndios médicos.
Ainda para mais se esses mesmos compêndios contiverem nas suas páginas, em quantidades diferentes, informações tanto correctas, como incompletas, como erradas, sem que o pseudo-cirurgião consiga diferencia-las. Pobre do doente que lhe cair nas mãos! O mesmo acontece com os Pais e Mães de Santo…
Resumindo, há que ajustar as velas aos ventos, e não
os ventos ás velas. Há que colher informação sim, mas confirmá-la com quem sabe na realidade como são as coisas. Sem confrontos, sem exaltações. Apenas com respeito, humildade e consciência de que cada caminho apenas poderá ser conhecido na realidade por quem o calcorreia, e nunca por quem o viu.
Cabe portanto a cada um, ser e dar o bom exemplo nos seus comportamentos on-line. Se queremos, enquanto Povo de Santo e indivíduos, ser respeitados e fazer com que as nossas Casas sejam respeitadas, teremos que agir em conformidade.
E este é apenas um dos passos, de tantos necessários…
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