terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Danger Internet


Vivemos numa era em que a informação corre mais rápida do que a velocidade da luz. O mundo está de portas escancaradas em qualquer monitor, telemóvel ou em qualquer outro dispositivo que, devidamente apetrechado, possibilita um acesso directo e praticamente ilimitado a um mundo de informação e conhecimento, que nem mesmo o mais competente dos cérebros humanos conseguirá albergar numa fracção, quanto mais na totalidade.

Vivemos inundados pelas redes sociais, pela partilha de vídeos, imagens e de informação pessoal. A noção de privacidade, ou falta dela, alterou-se radicalmente nos tempos modernos. São os tempos em que a vida alheia está em directo nas nossas mãos, sem filtros e sem censuras. São os tempos das crenças e ideologias pessoais partilhadas; sujeitas a apreciação e julgamento por alguém que poderá habitar nos nossos antípodas, tanto geográfica como espiritual e humanamente.

A questão impõe-se: serão estes factos benéficos? Aqui reside a grande dúvida.

Certamente que, devidamente utilizada, a internet é uma fonte de riqueza inesgotável. Actualmente não existe, nem nunca existiu, forma mais competente de partilha de experiências e conhecimentos.

Os beneficio são ímpares. Mas, como não há bela sem senão, os malefícios são equiparáveis.

Utilizada na sua forma mais nefasta, a internet é um veiculo demolidor sob qualquer prisma em que se efectue a análise. Facilmente transforma a ordem natural e humanizada dos processos, mesmo dos mais sistematizados e enraizados.

E é aqui que, no ponto de vista dos cultos Afro-Brasileiros, a internet se poderá tornar aliada ou inimiga da religião.

Se por um lado, é certo e verdade que devidamente utilizada, a internet funciona como um perfeito veiculo de disseminação dos valores defendidos por quem de facto e na realidade é do Santo, por outro poderá minar um sistema funcional e hierarquizado, que está instituí-

do com sucesso há milhares de anos, por pessoas que nada conheciam destas tecnologias.

Actualmente, cada qual escreve na internet o que quer, da forma que quer e com a mensagem que quer, seja Abian, Yaô ou Bábálórísá / Yálórisá. Ou pior ainda, não sendo absolutamente nada na hierarquia dos Cultos Afro.

Verdadeiros chorrilhos de disparates são escritos em nome do Santo. O que é, como é óbvio, muito mau para a religião. Mas pior ainda, é para quem, por desconhecimento, os interpreta como realidade, tentando dessa forma, encurtar caminho na apreensão de um conhecimento que apenas poderá ser transmitido da forma tradicional: de Pai ou Mãe de Santo para filho, de forma oral ou através da prática, aguçando a capacidade de apreensão e perspicácia de quem recebe o ensinamento, assim como o julgamento do momento exacto para o passar, de quem ensina. Esta é a verdadeira e única maneira do Orisá.

O Candomblé e restantes cultos afro, não se coadunam com pressas nem atalhos, ou tampouco com curiosidade desmedida e a qualquer custo. Terá de aprender

quem merecer, terá de ensinar quem tiver fundamento para tal. Porque senão, e parafraseando alguém de enorme evolução espiritual, em vez de filhos do Pai ou Mãe A, B ou C, teríamos apenas filhos da Mãe Net e do Pai Google…. ou seja, sem fundamento e sem as de-vidas etapas que são imperativas na progressão espiritual e académica de quem, com as suas obrigações, sobe os degraus da sua religião.

Esta exposição gratuita de falso conhecimento, muitas vezes planta a confusão na mente dos mais incautos, uma vez que poderão colocar em causa o que lhes é ensinado por quem de direito, por contraponto ao que leram, erradamente, na Internet.

Estas acções de pavoneamento do conhecimento, destroem ao invés de construir. Dividem ao invés de unir. Estupidificam ao invés de ensinar. Apenas quem tem a mão no Ori de alguém, saberá se chegou a altura de passar determinado Awô (segredo).

Para comprovar o dito, basta pensar que nenhum cirurgião está apto para operar, se ao invés de frequentar a Faculdade de Medicina, ler compêndios médicos.

Ainda para mais se esses mesmos compêndios contiverem nas suas páginas, em quantidades diferentes, informações tanto correctas, como incompletas, como erradas, sem que o pseudo-cirurgião consiga diferencia-las. Pobre do doente que lhe cair nas mãos! O mesmo acontece com os Pais e Mães de Santo…

Resumindo, há que ajustar as velas aos ventos, e não

os ventos ás velas. Há que colher informação sim, mas confirmá-la com quem sabe na realidade como são as coisas. Sem confrontos, sem exaltações. Apenas com respeito, humildade e consciência de que cada caminho apenas poderá ser conhecido na realidade por quem o calcorreia, e nunca por quem o viu.

Cabe portanto a cada um, ser e dar o bom exemplo nos seus comportamentos on-line. Se queremos, enquanto Povo de Santo e indivíduos, ser respeitados e fazer com que as nossas Casas sejam respeitadas, teremos que agir em conformidade.

E este é apenas um dos passos, de tantos necessários…


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

"Mar Português" por Fernanda Moreira

MAR PORTUGUÊS


Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!


Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.


Fernando Pessoa, in Mensagem


No passado dia 25.06.2011, realizou-se aquela que já começa a ser uma tradição da ATUPO: a homenagem ao Povo do Mar, concretamente Gira de Marinheiros, sob o olhar benevolente da Grande Mãe, Yemanjá!


A deslocação à praia foi massiva e, ao contrário do que aconteceu no ano passado, o tempo estava quente… tão quente… que a areia ameaçava arrancar-nos a pele da planta dos pés.


O ambiente estava fantástico! O céu estava resplandecente de azul e a água do mar era um lenitivo para as nossas aflições, i.e., o calor escaldante, num claro simbolismo entre as dores da nossa alma e o amparo que a Mãe Yemanjá nos dá!


O pescador/marinheiro faz parte não só do imaginário português, mas também da nossa história. A navegação aventureira, na procura de Novos Mundos há muito que se foi, mas a tradição e a ligação ao mar manteve-se até às presentes gerações até porque, de acordo com o grande poeta, “ainda falta cumprir Portugal”.


O certo é que, de todas as histórias que se contam, nasceu um “tipo” psicológico ou arquétipo do marujo: brigão, truculento, alegre e dado a celebrações. O Homem cuja vida dura, não o impedia de levar a palavra saudade a todo o mundo, não deixando por isso de celebrar o maior dom que Deus nos deu – A VIDA.


Foi um sucesso anunciado!

Com a experiência adquirida nos anos anteriores pudemos melhorar um pouco esta homenagem e dedicar-nos exclusivamente a celebrar a alegria de bem viver as nossas existências de acordo com a visão dos Marujos.


Estes chegaram alegremente, depois da verificação dos caminhos por Ogum e da bênção concedida por Yemanjá.


No seu estilo vigoroso e alegre, muitas vezes provocador, deram a volta à assistência, falaram com todos os devotos – e foram tantos os que se fizeram presentes – aconselharam, deram passes, fizeram descarregos e também doutrinaram.


O sotaque é de terras de Vera Cruz, excepção feita apenas ao caso do Sr. Agostinho, “Português dos 4 costados”, ali dos lados de Peniche e que nas palavras do Prof. Ismael Pordeus Jr. no seu livro “Portugal em Transe” prova “a concretização da transnacionalização do panteão” e “deixa antever um panteão na Umbanda de Portugal”


A tarde foi passando amena, quase sem se fazer sentir. Ouviam-se murmúrios aqui, choros mais ao fundo, gargalhadas em todo o lado.


Deixamos de prestar atenção ao calor sufocante. O calor humano, a Fé e a Alegria por nos encontrarmos, mais uma vez, a fazer esta homenagem juntamente com esta mole humana que continua a aumentar, alterou a nossa percepção do tempo. Quando nos apercebemos, tinha chegado o momento de verdadeiramente honrar Yemanjá e de formalmente fazermos a entrega das centenas de rosas brancas que entre todos nós, corrente e assistência, conseguimos reunir.


Fez-se a corrente mais longa de todas as que já vimos estender-se pela extensão total do areal. As cores dourado da areia e branca dos trajes em perfeita harmonia com o azul do céu e os tons esverdeados do mar, todos parte de um caleidoscópio colorido, iluminado pelo sol que nos honrava com a sua presença radiosa.

Numa tal extensão de corrente, os cantos tornaram-se entrecortados por ritmos diversos, a ponto de uma ponta cantar um verso e a ponta oposta cantar um outro. Todos entoavam os mesmos cânticos com emoção e entrega total ao momento em jeito de compensação.


Aqui impõe-se uma comparação. No ano anterior, aproveitando a transformação do dia invernoso em dia estival, o Sr. Martim fez questão de realçar o quanto o Tempo é um mestre sábio que muito tem para nos ensinar. Falou de perseverança; estabeleceu um paralelo entre o tempo e a vida e concluiu dizendo que “na vida acontece como com o tempo: quem fica até ao fim, quem persiste sobre as contrariedades da vida sem desistir, no final é recompensado com a bonança, com um dia claro, um céu limpo e com uma brisa ligeira.


Este ano complementou a mensagem! Não se fez “o maior círculo/corrente de Umbanda alguma vez feito em Portugal” como no ano passado, antes se organizaram os participantes em 4 círculos concêntricos, como que numa mandala humana representativa dos diversos níveis de evolução, pelos quais os seres humanos têm de passar até atingir um nível de consciência que se harmonize com a obra divina. O Sr. Martim Pescador, aproveitou para realçar que esse número não era uma mera coincidência, porque o 4 representa a família, a união, numa referência à máxima da “união faz a força” e da importância da Família, em sentido amplo, para o fortalecimento do nosso ser e para o nosso equilíbrio, bem como para o equilíbrio do Todo.


Terminou-se esta homenagem com o Ponto “Eu sou o sereno da noite” cantado a uma só voz e a plenos pulmões.


Tal como as caravelas quinhentistas chegaram bem longe, diz quem ouviu que este canto se propagou nitidamente ao longo da praia, levando ainda mais longe o convite dos marujos: “Canta comigo agora / esquece a tristeza e vamos cantar / pois quem canta seus males espanta / deixando as tristezas / a felicidade começa a chegar!”


Fernanda Moreira

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

OS ELEMENTOS - parte1




OS ELEMENTOS

O estudo das forças presentes (e ocultas) na natureza, presentes nos quatro elementos e seus
elementais, é recorrente em grande parte das grandes culturas, tanto Ocidentais, como Orientais. É também comum o facto de existir uma base teosófica no estudo dos quatro elementos básicos da natureza: o Ar, a Terra, a Água, e o Fogo.
Esta seleção, de certa forma natural, refere-se também à condição humana e à necessidade que temos de todos e cada um desses elementos para poder sobreviver.
A origem da Teoria dos Quatro Elementos julga-se ter tido início na Grécia Antiga, entre os filósofos pré-socráticos, envoltos em discussões que procuravam esclarecer a origem material de todas as coisas, atribuindo a determinado Elemento uma determinada particularidade geradora ou causadora de algo, na época, inexplicável. Estas dissertações deram origem a várias obras cuja expressão – literária, plástica, filosófica, científica e religiosa – perdura até aos dias de hoje.
O mais provável, no entanto, é que a origem desta Teoria tenha vindo do Oriente, adaptada do que hoje conhecemos como a Teoria dos Cinco Elementos, originária da China, sendo considerados, mais do que elementos, formas de transmutação da matéria/energia, a partir de um ciclo natural da transformação dos vários elementos – madeira, fogo, terra, metal, e água.
Também na Índia se vê a aplicação da figura dos Elementos (Éter, Fogo, Água, Ar e Terra) que entram em partes equilibradas na composição da matéria. A medicina ayurvédica, disciplina milenar, ganhou forma no pressuposto do trabalho na procura do equilíbrio entre os vários “humores”, plasmados nas forças da natureza.
Não é, seguramente, só um conceito esotérico, mas também a base de formas terapêuticas muito antigas, que já promoviam o equilíbrio energético e espiritual. O princípio dos Cinco Elementos é
amplamente usado na medicina tradicional chinesa, classificando na fitoterapia ervas específicas relacionadas com um desses elementos, em conformidade com as ações que promovem em determinada doença, no uso dos protocolos da acupuntura, e até em disciplinas que promovem o bem-estar como o Tai-chi-chuan e o Chi-Kung.
As descrições Renascentistas, no entanto, sugerem que o Ocidente também admitia a Teoria dos Elementos como forças subtis que se manifestariam através de transformações recíprocas. É o que se depreende de alguns dos textos clássicos, cuja forma de ver os elementos pressupõe uma certa ligação entre a astrologia e a alquimia, que ocorria naquela época, e que durante séculos subsistiu, dando lugar, mais tarde, à química.
O entendimento filosófico pós-socrático veio trazer um “Quinto Elemento”, que os gregos chamaram de “quintessência”. Seria o elemento "perfeito" que somente existiria no plano cósmico, formador do Universo. O entendimento mais consensual prende-se com a simbologia do Éter, representando a negação lógica do vácuo, e, assim, a correspondência com o Divino presente nos próprios Elementos da Natureza.
Numa breveanálise sobre cada um dos elementos, tendo por base documentos diversos elaborados ao longo dos últimos anos, pode fazer-se uma síntese em sequência algo ordenada
de tal forma que possa classificar, da melhor maneira possível, a natureza dos elementos de acordo com uma ideologia espiritualista mais abrangente. Assim, poderemos obter uma visão mais ampla e maior compreensão dos processos criativos com eles relacionados, nas suas diversas fases e transmutações.
AR
O ar é considerado como um símbolo ou matéria sagrada na maioria das religiões, além da Umbanda, incluindo o Cristianismo e chegando mesmo ao Hinduísmo e à Wicca.
Grande parte dos rituais religiosos são realizados na presença de um símbolo deste elemento, seja em forma de incenso (embora este represente também outros elementos), ou simplesmente pelas invocações efetuadas de forma oral.
Em algumas religiões neopagãs, como é o caso do Druidismo, da Wicca, que por si são tendencialmente ligadas à Natureza, também existe a crença na existência dos Elementos presentes no Universo.
No Paganismo, o ar foi o terceiro elemento que se formou da “quitessência”, ou Akasha, sendo considerado um elemento intermediário entre o princípio do fogo e o da água, o que, de resto, acontece de forma análoga com os outros Elementos.
A partir deste conceito, surgem os Elementais, nome esotérico dado aos espíritos existentes na natureza, e, como tal, também considerados como sagrados dentro da Umbanda. Entre os elementais do ar que, segundo a crença pagã, seriam capazes de controlar o Ar e o representar, estão os silfos, as sílfides e as fadas, entre outros.
ÁGUA
De igual forma, a água é considerada como sagrada na maioria das religiões, além da Umbanda. O Cristianismo, o Judaísmo, o Islamismo, o Xintoísmo, o Xamanismo e outros, fazem amplo uso deste Elemento nas mais variadas ritualísticas. Pela sua presença em Templos por meio de recipientes como taças, pias ou simplesmente copos, ou, na sua total magnitude, representados por um rio, lago ou mar, quando a liturgia é celebrada na natureza, a água é possuidora de mistérios que a fazem ser parte integrante do culto de praticamente todas as crenças e religiões. De entre os elementais da água capazes de controlar o elemento água e o representar, encontramos as descrições esotéricas das ondinas, sereias e das hidras, entre outros seres que tanto abundam na nossa expressão literária e que, outrora, tantos receios trouxeram a quem se sentisse próximo a eles.

TERRA
Por si só, o nome Terra deixa implícita a importância deste elemento sagrado em praticamente todas as religiões e cultos pagãos. Segundo estes últimos, o elemento Terra foi o último dos elementos a ser formado, pois pela sua principal caraterística, a solidificação, ela integra em si o fogo, a água e o ar.
Foi essa característica, segundo a crença pagã, que conferiu uma forma concreta aos outros três elementos. Foi também a partir desse momento que a manifestação dos restantes Elementos ganhou força na teoria da transmutação da Terra, e, por consequência, da transmutação humana, e que as Leis da Natureza ganharam forma, tempo e espaço.
Os Elementais responsáveis pela sua representação e manipulação são vários e de variadas formas e expressões: os gnomos, os duendes, as ninfas, as dríades, os faunos e todos os restantes ligados à terra e à vegetação mais rasteira.
FOGO
A generalidade dos cultos ou rituais religiosos são realizados com a presença muito ativa deste Elemento, seja através de uma fogueira ou de uma simples vela, sendo um Elemento tranmutador e transformador, detentor de um grande misticismo e respeito. Possui caraterísticas opostas às da água, como o calor e a expansão e segundo a crença pagã, o fogo e água teriam sido os elementos básicos com os quais tudo foi criado.
Os elementais do fogo que, segundo uma orientação esotérica, serão capazes de controlar o elemento fogo e o representar, são as salamandras, a fênix, o dragão e o singular boitatá.
ÉTER
A “Quintessência”, ou “Akasha” será o princípio original, o espaço cósmico ausente de vazio. É o “substrato espiritual primordial”, aquele que se diferencia. É a matriz do Universo e a base de toda a verdadeira magia. É o local onde ficam retidas todas as emoções, todas as ações e todas as memórias.
É nele que reside o verdadeiro conhecimento, equivalendo-se numa comparação livre ao que Jung chamou de inconsciente coletivo, evocando uma memória universal da humanidade, da qual percebemos breves momentos. É por isso que é considerado o mais singular dos cinco elementos, a base de todas as coisas da criação. Segundo Franz Bardon, o que algumas religiões chamam de Deus.
Sendo Elementos, “per si”, sagrados, a sua correlação traz aquilo que, com a devida orientação, podemos chamar de magia. A abordagem Umbandista a este tema, não sendo de todo uníssona, parte do pressuposto de se assumir como uma religião anímica, tendo como base a “anima” (alma) da Natureza, que se constitui pela agregação desses elementos, a sua transformação, e o direcionar da energia criada por essa via. Conta uma história bem conhecida que “a 15 de novembro de 1908, compareceu a uma sessão da Federação Espírita, em Niterói, então dirigida por José de Souza, um jovem de 17 anos de família tradicional fluminense. Chamava-se Zélio Fernandino de Moraes. Restabelecera-se, no dia anterior, de moléstia cuja origem os médicos haviam tentado, em vão, identificar. A sua recuperação inesperada por um espírito causara enorme surpresa, pois nem os médicos que o assistiam, nem os tios, sacerdotes católicos, haviam encontrado uma explicação plausível ou mesmo minimamente convincente. A família atendeu, então, à sugestão de um amigo, que se ofereceu para acompanhar o jovem Zélio à Federação Espírita, para o acompanhar num trabalho. Zélio foi convidado a participar da Mesa. Sentiu-se deslocado e constrangido, no meio daquelas pessoas.
E causou logo um pequeno tumulto. Sem saber porquê, em dado momento, ele disse: (…)"Aqui está faltando uma flor”. E, apesar da advertência de que não poderia afastar-se, levantou-se, foi ao jardim e voltou com uma flor que colocou no centro da mesa. Serenado o ambiente e iniciados os trabalhos, manifestaram-se espíritos que se diziam de índios e escravos. O dirigente
advertiu-os para que se retirassem, o que causou um pequeno tumulto e breve diálogo acalorado, no qual os dirigentes dos trabalhos procuravam doutrinar o espírito desconhecido que se manifestava e mantinha argumentação segura. Por fim, um dos videntes pediu que a entidade se identificasse, já que lhe aparecia envolta numa aura de luz…(…). De facto, numa análise mais cuidada a este relato, complementado com outros mais ou menos rigorosos, pode subentender-se
que aquilo que o menino Zélio fez foi, mais do que colocar uma flor como símbolo da Natureza, da própria vida, foi acrescentar o Elemento Terra, aos outros que já existiam na sessão Espírita. O Fogo, por meio da vela acesa, a Água, num copo, e o Ar, presente no próprio ambiente. Completando o “ciclo”, terá desencadeado as ações e reações que originaram a Umbanda como hoje a conhecemos…
Na próxima Edição, trataremos do significado litúrgico dos elementos da Natureza na Umbanda, o seu uso e a magia presente nas suas transmutações.
Vitorino Camelo e Claudio Ferreira, A.T.U.P.O.

“Pé de Orelha” com o Sr. Pé-de-Vento





“Pé de Orelha” com o Sr. Pé-de-Vento

Dicas para a Felicidade

Durante a celebração anual que fazemos em honra do nosso Pai Pé-de-Vento o “Fundamento” foi-lhe pedir que partilhasse com todos vós, os que frequentemente falam com ele, mas, principalmente com os que nunca o fizeram, alguns momentos de reflexão.
Depois de lhe ser exposta a nossa intenção, a reacção não se fez esperar: “Está anervosada, filha?” Sim, um pouco. Sou algo perfeccionista!” “Não é nada, filha. Perfeito é só Deus. E sabe
porquê, filha? Porque ninguém o vê, porque senão também lhe apontavam o dedo…(risos)

Serenado o nosso espírito com esta pequena ajuda do Pai, começamos a nossa conversa. Aqui vai o resultado desse Pé de Orelha.

… sobre responsabilidade...

Todo o ser humano se acha uma vítima, “os outros é que têm a culpa”. A falta de responsabilidade é tão grande que as voltas que temos de dar para chegar onde temos de chegar acabam por ser muito grandes.
Às vezes as pessoas não conseguem mesmo enxergar. Muitos vêem apenas as dificuldades de passar pelas coisas, aí tem o trabalho do baiano, o trabalho do caboclo, o trabalho do Exú e depois disso tudo, mesmo assim, as pessoas mantêm o que as trouxe até aqui “O problema está nos outros”. Em vez de procurar nos outros, se formos à procura acabamos por encontrar os caminhos!

… sobre o que vê quando olha a corrente e a assistência...

Vejo pessoas como toda a gente (risos).
Pessoas carregadas de infortúnios; pessoas cheias de esperança de resolver os seus problemas; pessoas com alegria porque se sentem em casa; pessoas que saem daqui pondo na boca dos guias palavras que eles não disseram e ainda os que não conseguem ver o que fazemos e saem daqui “mangando” de nosso trabalho.
Há os que têm a esperança de vencer e que tentam por em prática as palavras que
ouvem. Quando às vezes as coisas não correm bem, uns insistem e outros desistem.

… sobre a Vida...

A Vida não é para desistir. Quando desistimos morremos um pouco por dentro. Às vezes vemos pessoas tristes porque partes dessas pessoas morreram, não por não terem tentado, mas por não terem conseguido o sucesso e depois perderam a confiança em si próprios. Temos de levar a esperança dentro de nós. Temos de olhar para o mundo com esperança.

… sobre os Elementos...

Existe uma chama dentro de nós, a chama da mudança para a transformação: o Fogo. Para fazer qualquer coisa é preciso Força, Calor, Calor Humano. O Fogo é a Chama da Vida, correcção que transforma as coisas e, como disse Exú, por mais que exista o frio não podemos deixar o Fogo apagar.
O Fogo aquece a Terra e dá a Vida. É como a Água. O que significa a Água? Significa a Grande Mãe, a Maternidade, a Esperança. Entre o Fogo e Água tem de haver equilíbrio, mas o Fogo é o que nos movimenta para continuarmos a guerrear e por isso não pode apagar. A Água, por
sua vez, é a Emoção, o sentimento do Amor e do Carinho.
É preciso haver equilíbrio porque foi através desse equilíbrio entre os elementos que se deu a Geração da Vida na Terra: uma parte veio do Ar e outra do Fogo; o mesmo que vive muito próximo da Terra e do aspecto terreno que molda e que nos dá a Força e a direcção. O Fogo aqueceu os vapores da Terra e da junção de todos eles – Fogo, Água, Ar e Terra - nasceu a Vida.
De todos os elementos, O Ar é o mais espiritual, porque é aquele que não se vê. Tal como nas nossas vidas, não vemos o Invisível a menos que venha com movimento, como quando sentimos a brisa esentimos mais harmonia dentro de nós.
Daí a importância do equilíbrio, os desequilíbrios emocionais e físicos só surgem quando não sabemos viver.

… sobre o Destino e o Livre Arbítrio...

O Destino existe? Se o destino existisse da forma que vocês falam, o Divino não podia existir. Algumas coisas existem e o Destino existe de algumas maneiras, por exemplo sob a forma de
sentimentos e emoções, no amor-próprio, nas necessidades materiais. Mas nós temos escolha. Não há um sítio onde esteja escrito qual seria o sentido do espírito passar na Terra. O nosso Destino é um livro que escrevemos.
Temos que olhar para a Vida como para um livro em que o final depende de como o escrevemos
porque somos os escritores da nossa vida. Tal como acontece com aquelas pessoas que escrevem as situações que vivem, tudo o que lhes acontece, só que o final será como o escrevermos e cabe-nos a nós escrever um final feliz.
Quando o livro é bom nunca acaba, há sempre um segundo livro, tal como há sempre uma segunda vida.
Aquelas pessoas que não conseguem ver a alegria, a felicidade e põe sempre problemas em tudo não conseguem escrever um final feliz, por isso as encarnações existem e são aprendizado. Quando as situações do livro se repetem é porque não houve aprendizagem.
… sobre o respeito devido aos mais velhos...

Existem espíritos nascendo na Terra que ainda não escreveram o seu livro, por isso é tão importante o respeito pelos mais velhos. Eles trazem conhecimento e sabedoria., também trazem mais espiritualidade e temos muito que aprender com os espíritos mais sábios. Isto não
quer dizer que os mais velhos daqui são os mais sábios de todos. Não, as crianças também são muito sábias. É algo que dizemos, os espíritos encarnados na Terra têm mais conhecimentos sobre a Terra, mas não têm mais conhecimento espiritual do que os espíritos mais novos. Quando falo em espíritos mais velhos, refiro-me àqueles que já escreveram os seus livros.
… sobre as responsabilidades de quem trabalha na “Seara Divina”...

Trabalhar com mais pessoas traz uma responsabilidade maior… ou exige que se trabalhe com mais médiuns. Também é preciso que se usem menos palavras e que estas façam mais sentido. É preciso exigir cada vez mais que os espíritos sejam exigentes para conseguir tocar nas consciências das pessoas para que elas consigam encontrar o seu caminho
... sobre “até onde vai esta casa”...

Qual é o destino desta casa? Ele está
nas mãos do trabalho que vocês fazem hoje. Cresçam para despertar consciências.
Libertem-se do material e trabalhem para despertar o equilíbrio e a consciência das pessoas para que assim elas vivam melhor e possam passar essa mensagem para os outros.
Tudo depende deste Pai e destes Filhos, se eles continuam a acreditar e a procurar um mundo melhor e a trazer Aruanda para o planeta Terra. Aruanda também faz parte da Terra, mas é um local de aprendizagem um pouco mais evoluído.
Aonde esta casa vai chegar não se sabe, o que interessa é a emoção e o equilíbrio de cada um de vocês. Quando caem, há sempre alguma coisa que vos faz levantar. Balançar faz parte dessa caminhada. Podemos cair, somos humanos, mas levantamo-nos de novo! Mas principalmente quem trabalha na Seara Divina não pode deixar cair os outros.
Alguns caem, babalaôs, babalórixás, pastores, padres, todos esses que falam muito bonito, que dizem que as pessoas têm de conseguir e que acham que são a verdade das suas palavras. Lutem para que as palavras façam parte das vossas vidas. A magia das palavras só acontece quando
conseguimos transmitir aos outros a humildade de saber ouvir.

… para finalizar...

Cada Orixá ensina alguma coisa, Fé, Amor, Justiça, Família, Conhecimento, Ordem, Evolução. Os Orixás podem ser muita coisa, mas eles só fazem sentido, só significam Vida quando estão vivos no coração dos homens. Aí, cada Orixá se manifesta para as coisas boas da nossa vida.
Mais importante do que serem como essas pessoas que falam bonito é que caminhem com as palavras que dizem, que respirem e vivam delas porque é isso que vai fazê-los felizes e muitas vezes os passos que damos na Terra são os que acabam por contar.
Lembrem-se que as pessoas não seguem palavras, seguem acções!

Fernanda Moreira - A.T.U.P.O. - Jornal Fundamento, Edição 8