A Umbanda nasceu no Brasil com local e hora marcada, mas hoje a Umbanda não é SÓ brasileira!
A Umbanda cada vez mais salta muros e barreiras, quebra tabus e atravessa fronteiras e torna-se de facto uma religião do mundo. A Umbanda, e fazendo uma analogia com a botânica, é como uma grande árvore, vamos ver: para se “criar” uma árvore, o que precisamos? SEMENTES, TERRA e ÁGUA… Na Umbanda, foi da mesma maneira: podemos chamar SEMENTES à sua raiz africana; podemos intitularde TERRA a ascendência indígena, dos índios até ai selvagens e de ÁGUA a parte dos precursores europeus que lhe deram forma, vida. Nesta adição de elementos, não adianta tirar ou substituir nenhum dos elementos, porque caso contrário, o resultado nunca seria o mesmo, experimentem!
A Umbanda é assim mesmo: é fusão, é assimilação, é miscigenação, é a busca do melhor que temos em nós, sem olhar à cor, raça, credo ou estrato social, tudo em prol de um BEM MAIOR, de IGUALDADE, num mundo cada vez mais assimétrico; do AMOR, num mundo cada vez mais egoísta; e da FÉ redentora, que por vezes, se rende à vaidade e ao dinheiro.
A planta germinou e, no meio de muitas outras que também estavam ali para vingar, começou a tomar corpo. Os tempos nem sempre foram favoráveis, porque períodos houve em que os terreiros eram cadastrados na sede da polícia local, bem ao lado de qualquer prostíbulo e muitas vezes perseguidos pelos residentes menos informados acerca da religiosidade ali praticada. Mas são estas dificuldades que nos fazem crescer cada vez mais e melhor.
A Umbanda cresceu, fez-se adulta e assim espalhou as suas raízes por todo o Brasil, chegando a todos os cantos onde há terra para viver. Já adulta, e na sua maturidade quase centenária, chegaram os ventos da propagação, foram ventos que chegaram, fruto da difusão do povo brasileiro num mundo cada vez mais pequeno e também de uma globalização à escala planetária, quase inevitável.
Hoje, essa árvore adulta e com os ventos a favor espalha por todo o mundo todas essas sementes que saíram dela própria, sementes essas que, por seu lado, já começam a germinar e algumas a formar corpo também.
Cruzando os imensos charcos que ladeiam a América, as sementes chegaram mesmo a outros continentes. Curiosamente, é em terras africanas que as sementes mais têm encontrado relutância em proliferar, mas, se já vi um grupo de Capoeira em plena capital senegalesa e praticada por habitantes locais, quer dizer que … quem sabe um dia destes… . Mesmo porque já vimos entidades da Umbanda a pisar as terras vermelhas australianas, já ouvimos o som dos atabaques no continente asiático, mais propriamente em solo nipónico. Na América do Norte, os índios de peles vermelhas já dão lugar aos da Amazónia através dos nossos Caboclos e no velho Continente, nessa panóplia de culturas e raças, encontramos o Axé espalhado por países culturalmente tão díspares como Portugal e Áustria, Espanha e Holanda, Inglaterra e Suíça, Alemanha e Escócia ou ainda, como França ou Suécia.
Hoje, de facto, a Umbanda é brasileira, mas só mesmo porque nasceu lá. Porque cada vez mais está a crescer e cada vez mais é uma Religião do MUNDO!
Em eras remotas, o cigarro tinha o dom de afugentar os maus espíritos. Em sagradas pajelanças, guerreiros recebiam lufadas de fumo exortando a força e a coragem. Fumar simbolizava comunhão, o cachimbo da paz, pórtico de enlevo para os céus, nos luares de todos os sertões. Curandeiros presidiam cultos utilizando-se do tabaco, e o fumo e seu incenso irmanavam cânticos e danças em litúrgicas bênçãos. (Romildo Sant’Anna)
O Homem utilizou desde sempre o fumo e os seus odores sob a forma de oferendas, em agradecimento aos seus Deuses e, também, como meio de purificação de ambientes, pessoas e depuração das energias.
Desde a antiguidade que as libações de incenso são utilizadas, e hoje como antes, os efeitos de um bom incenso, preparado magicamente, podem ter os mais variados usos, trazendo paz de espírito, prosperidade e limpeza. Associa-se o uso dos incensos à purificação e à elevação a Deus, gerando a fumaça bem-estar e protecção. Encontramos, assim, a origem do uso xamânico do fumo como "Erva Sagrada" enteógena (que leva a Deus).
Na espiritualidade, o poder do incenso mostra-se ainda mais amplo e a sua função de limpeza imprescindível, num conjunto de energias transmutadas de ervas, litúrgicas ou não, que, de acordo com suas funções, ocasionam uma grande mudança na nossa percepção e disposição, porque o incenso limpa e facilita o nosso acesso a um padrão vibratório mais propício à prática litúrgica.
Se a defumação é sagrada e consagrada pelo mundo inteiro, desde os monges tibetanos até os padres católicos, o turíbulo (pequeno incensário feito de metal ou barro) do Guia é o charuto, o cachimbo ou o cigarro. Faz parte da cultura indígena e, por extensão, da Umbanda. Não devemos confundir a fumaça do charuto com a defumação através de ervas. Ambas têm funções importantes na religião, mas são usadas de forma diferente pelos guias espirituais. Estes não fumam no sentido vulgar da palavra, usam o fumo e a fumaça para fazer uma defumação direccionada, unindo o sopro, intenção e elemento para alcançar o resultado pretendido, seja pelo charuto do caboclo ou do exu, pelo cachimbo do preto-velho ou pelo cigarro do baiano. Para os xamãs “pelo sopro Deus fez o homem”; o sopro, nosso vento pessoal, é um dos mais importantes ingredientes de cura para os xamãs e para muitas outras tradições, pois o sopro liberta-nos, dá-nos vida. O fumo comporta em si os 4 sagrados elementos; terra (pela sua origem vegetal), fogo (quando aceso), ar (onde se desenvolve a fumaça) e água (na sua humidade relativa). Estes elementos e a sua transmutação serão abordados em artigo a publicar oportunamente, cabendo-nos agora centrarmo-nos no uso do fumo litúrgico nos seus diversos aspectos.
PARTE I: Fumaça e Defumação
Ninguém sabe quando a humanidade começou a usar as plantas aromáticas. Há evidências do período Neolítico de que ervas aromáticas eram usadas em culinária e medicina, e que ervas e flores eram enterradas com os mortos. A fumaça ou fumigação foram provavelmente um dos usos mais antigos das plantas, como parte de oferendas rituais aos deuses. Gradualmente, um conjunto de conhecimentos sobre as plantas foi acumulado e passado a centenas de gerações de xamãs, assim como as lendas associadas à Criação, como a mítica história das deusas pássaro. Eram utilizadas em rituais religiosos e mágicos, assim como nas artes curativas.
Origens e Religiosidade
Os sacerdotes e sacerdotisas Egípcios eram as únicas pessoas que tinham acesso a estas preciosas substâncias. Quando o Egipto se fez um país forte, os seus governantes importaram de terras distantes incenso, sândalo, mirra e canela. Os faraós congratulavam-se em oferecer às deusas e aos deuses enormes quantidades de madeiras aromáticas, gomas, resinas e perfumes de plantas, queimando milhares de caixas desses materiais preciosos. Todas as manhãs as estátuas eram untadas pelos sacerdotes com óleos aromáticos. Queimava-se muito incenso nas cerimónias do templo, durante a coroação dos faraós e rituais religiosos. Queimavam-se também em enterros, para neutralizar odores e afugentar maus espíritos.
Os Sumérios ofereciam bagas de junípero como incenso à deusa Inanna. Mais tarde, os Babilónios perduraram rituais, queimando esse suave aroma nos altares de Ishtar. Acreditava-se que a direcção que a fumaça levantava determinaria o futuro – se a fumaça se movesse para a direita, a resposta era o êxito; se movesse para a esquerda, a resposta era o fracasso.
A Aromaterapia tem sido uma parte essencial do ritual religioso hindu e budista desde o tempo dos Vedas, cuja idade pode ser estimada em 5.000 a.C. O incenso favorece um estado meditativo, por isso ele também foi incorporado pelos budistas, que são naturalmente adversos a rituais externos. É usado na iniciação de lamas e monges e é oferecido aos bons espíritos nos cultos diários.
Os Gregos e Romanos acreditavam que as plantas aromáticas procediam dos deuses e deusas. Queimavam o incenso como obrigação e para protecção das casas. Em Roma, usava-se nas ruas e em especial na adoração do Imperador. O povo chegou a consumir tantos materiais aromáticos que, no ano de 565, foi decretada uma lei que proibia utilizar essências aromáticas pelas pessoas, com medo de não se ter suficiente incenso para queimar nos altares das divindades.
Os nativos Americanos, vivendo em harmonia com a terra, sempre a reverenciaram como geradora de vida. Desde há muito que conhecem as propriedades de cura das plantas, usadas em tendas de suor, dança do tambor, etc. Queima-se salva branca, cedro, pinho e resinas para limpeza de objectos e rituais de adoração. São usadas para a saúde e o bem-estar da tribo.
Também para o povo Judeu, o incenso tinha um significado de honra a Deus ou a um Rei. Diz o Salmo 140: "Que minha oração suba até vós como o fumo do incenso." (v.2) Na sua Sagrada Liturgia, o incenso passou a incensar o Santíssimo Sacramento e demais sinais litúrgicos (o altar, a cruz, as santas imagens, os sacerdotes, os fiéis), e passou a ter um simbolismo litúrgico próprio. De acordo com o Zohar (livro sagrado para os judeus cabalistas), oferecer incenso é a parte mais preciosa do serviço do Templo para os olhos de Deus. A honra de conduzir este serviço é permitida somente uma única vez na vida. Diz-se que quem teve o privilégio de oferecer o incenso está recompensado pela sorte com riqueza e prosperidade para sempre, neste mundo e no seguinte.
Na Idade Média, os boticários queimavam ervas e sais contra a peste.
E como esquecer a maravilhosa história Cristã dos três Reis Magos, que presentearam com o Líbano e a Mirra o Mestre Jesus, quando ele nasceu?
Essas resinas aromáticas tornaram-se essências, transformadas em incenso, de grande importância e fragrância.
A defumação nas religiões Afro-brasileiras
Para o índio nativo, o fumo provinha de plantas sagradas e a sua fumaça curava as doenças, proporcionando o êxtase, dando poderes sobrenaturais e pondo o pajé em comunicação com os espíritos. Deste modo, podemos considerar que a adopção da fumaça como um elemento ritual importante e depois como terapia é uma herança do xamanismo. Deste, foram preservadas as ervas e raízes nativas como base dos trabalhos e na prática da fumigação magisticamente preparada.
Um dos primeiros fundamentos litúrgicos encontrados em algumas religiões como o Tambor-de-Mina, o Catimbó, ou o Batuque é o uso da defumação para curar doenças ou o emprego do fumo para entrar em estado de transe, no sentido da comunicação com o mundo dos espíritos, entre os quais a alma viaja durante o êxtase.
Estas influências indígenas vão ter reflexo, mais tarde, nos Candomblés de Caboclo e, anos depois, na Umbanda, carregando esta, de igual modo, também uma herança transposta quase directamente da cultura indígena para a sua liturgia específica.
A defumação na Umbanda
A defumação é essencial para qualquer trabalho num terreiro de Umbanda, bem como nos ambientes domésticos. Este ritual é praticado com o objectivo de purificar o ambiente (terreiro/residência), bem como o corpo do médium e a assistência (pessoas que irão participar da gira), purificando e depurando as energias existentes e preparando o local para que o trabalho possa decorrer em harmonia.
A defumação é feita com carvão em brasa, dentro de um turíbulo (pequeno incensário feito de metal ou barro), colocando-se no recipiente as ervas secas escolhidas. Ao queimarmos as ervas, libertamos em alguns minutos de defumação todo o poder energético aglutinado em meses ou anos absorvido do solo da Terra, da energia dos raios de sol, da lua, do ar, além dos próprios elementos constitutivos das ervas. Deste modo, projecta-se uma força capaz de desagregar miasmas e larvas astrais que dominam a maioria dos ambientes humanos, produto da baixa qualidade de pensamentos e desejos, como raiva, vingança, inveja, orgulho, mágoa, etc.
Existem diferentes tipos de ervas para cada objectivo que se tem ao fazer-se uma defumação que, associadas, permitem energizar e harmonizar pessoas e ambientes, pois ao queimá-las, produzem reacções diversas no plano imaterial. Há vegetais cujas auras são agressivas e repulsivas, e que afastam alguns desencarnados de vibração inferior, servindo de barreiras fluídico-magnéticas.
Outros, harmonizando o ambiente, ajudam o médium e o consulente a captarem com mais qualidade as energias superiores, mantendo a mente da pessoa mais concentrada e propícia a esta percepção.
A Defumaçãoé assim um processo activo do exercício da mediunidade de cada ume parte importante da Liturgia da Umbanda, devendo ser feita com muito rigor e cuidado.
“A FUMAÇA SAGRADA”
PARTE II: “Fumaça de Sopro”
“Quando o mundo ainda não estava pronto, já havia Imîkoho-yeki, o Avô do Mundo. Ele andava sozinho enquanto pensava em como ordenar o mundo.
Sem encontrar solução, ele foi à Casa do Céu. Lá, acendeu um cigarro enquanto meditava. Foi então que da fumaça do cigarro surgiu uma mulher. Ela era Ye'pâ-masó, aquela que seria conhecida como a Avó do Mundo e do Surgimento.
O Avô do Mundo ficou contente e entregou à mulher os instrumentos da vida e do “surgimento” que possuía: cigarros, cuias, um banco, e outras coisas. A Avó do Mundo, Ye'pâ-masó, desceu até a terra, onde surgiram três bancos com os desenhos do “banco da vida”. Ela sentou-se e começou a fumar o seu cigarro.
Da primeira baforada surgiram Imîkoho-masí e Ye'pa-masí. Os dois foram os primeiros a viver na terra e deram início a todos os homens que vieram depois. (…)”
(História da Criação do Mundo dos índios Tukano, que vivem na região noroeste do Amazonas, perto do rio Uaupés.)
O hábito de fumar (folhas de tabaco ou outras plantas) já era bastante antigo entre alguns grupos indígenas, autóctones, como atestam alguns cachimbos encontrados em escavações arqueológicas, pressupondo o uso religioso e ritual do fumo. Por outro lado, há relatos do uso do tabaco entre os indígenas desde a chegada dos primeiros europeus ao continente Americano. O registado foi que os índios "bebiam fumo", já que o verbo "fumar" só passou a ser utilizado a partir do século XVII.
A partir da Conquista, o uso do tabaco espalhou-se rapidamente por todo o território Americano. Vários grupos indígenas que não costumavam fumar passaram a fazê-lo, assim como os escravos provenientes da diáspora negra africana e o próprio europeu, adaptado a novos costumes numa nova terra. A finalidade do uso do tabaco também se alterou na generalização do seu consumo, e os indígenas passaram a fumar mais no dia-a-dia para recreação e prazer, para além do uso ritualístico como propósito inicial.
Sequencialmente, alguns integrantes da expedição de Cristovão Colombo levaram o tabaco para a Europa, e rapidamente se espalhou o gosto pelo seu uso.
Apesar de ter sido um padre francês, André Thévet, quem introduziu e começou a cultivar o tabaco no sul de França, quando o tabaco chegou à Europa muitos viram no uso dessa planta um pecado (talvez pela relação com a passagem bíblica na qual Jesus diz que o “mal é o que sai da boca do homem”). Em 1603, James I da Inglaterra proíbe o tabaco "cujo fumo negro e fedorento evoca o horror de um inferno cheio de carvão e sem fundo". Na Rússia, o tzar Miguel Fedorovich fazia cortar os narizes dos tomadores de petún (palavra tupi que significando “fumo”, servia na época para chamar o tabaco moído para aspirar, ou “rapé”). A Igreja Católica também actuou e em 1621, Urbano VIII excomunga os fumadores dizendo-os culpados de usar uma substância tão degradante para a alma como para o corpo. Apesar do estigma demoníaco que durante esse século recaiu sobre o tabaco, o médico francês Jean Nicot utilizou a planta para curar as enxaquecas de Catarina de Médicis, a esposa do rei Henrique II, e o uso popularizou-se tanto que hoje conhecemos a planta pelo nome com que o botânico sueco Lineu homenageou seu divulgador: Nicotiniana tabacum. Em 1732 o Papa Bento XIII, fumante inveterado, revogou os éditos que proibiam o uso da planta no mundo cristão, enquanto a Rússia, a Turquia e a China ainda sentenciavam aos fumantes com a pena capital.
A diferença radical entre o uso tradicional e litúrgico do tabaco e o consumo do cigarro industrial consiste em que, nas culturas indígenas, o uso do tabaco propõe finalidades rituais e terapêuticas. O tabaco, sendo uma planta mágica para os povos nativos, porque "torna visível o alento", está presente em grande parte da tradição ancestral, nas lendas e mitos dos povos indígenas. O propósito do uso litúrgico tabaco consiste em expelir a fumaça do cachimbo, cigarro ou charuto, com finalidade determinada, contrariamente ao consumo rápido do fumo do cigarro, compulsivamente aspirado.
O Uso Litúrgico do “fumo soprado”
O fogo foi reconhecido pelos antigos habitantes da América e Ásia como um transmutador e libertador do poder de certas substâncias, tornando-as mais activas. Tinham diferentes misturas fumáveis dependendo das necessidades do ritual e da estação. O tabaco era utilizado por suas propriedades para concentrar o pensamento em si mesmo ou em algum assunto específico, o qual era uma preparação prévia para poder escutar aos espíritos guias, aos espíritos da natureza e aos seres que habitam em outras dimensões ou planos de consciência.
O fumo era considerado assim pelos povos primitivos como um elo de ligação do Homem com os seres sobrenaturais. A fumaça, subindo aos céus, transportava preces místicas.
Entre os índios Pampas existia uma cerimónia em que o feiticeiro da tribo, possuído pelo "anhangá-tupi" e depois de se ter regalado com um ovo de ema, aspirava fumo até se extasiar com sua "essência sagrada". Pela boca do adivinho, "anhangá" dava conselhos à tribo, sendo depois aclamado por todos. Entre as tribos norte-americanas, o fumo também estava intimamente ligado ás cerimónias religiosas e para eles, era considerado sagrado. As tribos do norte estendiam a veneração desta ao aparelho chamado "calumet" (ou cachimbo-da-paz), que, quando soprado contra o sol, imprimia um cunho religioso a todas os pactos políticos e sociais. Uma parte importante na sacralidade de fumar estava no seu uso em grupo, dentro de uma cerimónia, para estreitar os laços entre grupos ou pessoas. O fundamento estava na mistura e integração das diversas energias ao inalar a mesma fumaça. No términos de uma guerra tribal, passar o cachimbo-da-paz era uma forma de cimentar a união, e deixar de lado as diferenças.
Os antigos indígenas acreditavam que as plantas nativas das diversas regiões teriam sido criadas pelos espíritos da natureza para satisfazer as necessidades específicas das pessoas e animais nativos de cada área. Nestas circunstâncias se depreende que as diferentes tribos faziam uso de diferentes plantas para um fim semelhante, dependendo da localidade e do propósito da cerimónia, sabendo os xamãs quais delas utilizar, para cada ocasião. A salva, com pelo menos 20 variedades distintas, tal como outros ingredientes comuns como a lavanda ou o girassol, e cascas de diferentes árvores e plantas secas imbuídas de propriedades psico-activas, eram amplamente utilizadas. Cada uma delas era recolhida com mesura pelos xamãs que sabiam quais eram as suas atribuições, quando podiam ser colhidas e como secá-las ao sol para que absorvessem suas propriedades energéticas. Nos rituais de preparação, o tabaco e todas estas plantas eram alteradas, purificadas e elevadas de vibração com o auxílio de preces e invocações aos espíritos.
Estes conhecimentos, procedendo de origem ameríndia, como refere Antoine Yan Monory, iriam influenciar o uso também tradicional do fumo nos cultos religiosos afro-brasileiros, sem dúvida ligado ao facto dos negros escravizados, além do contacto com os costumes indígenas, terem sido a principal mão-de-obra no cultivo das plantações de tabaco.
A “fumaça de sopro” nas religiões Afro-brasileiras
Curandeiros presidiam cultos utilizando-se do tabaco, e o fumo e seu incenso irmanavam cânticos e danças em litúrgicas bênçãos. Exaltando seus vigores curativos, Manuel da Nóbrega escreveu que Deus remediou nossas dificuldades “com uma erva cujo fumo muito ajuda à digestão e a outros males corporais, e a purgar a fleuma do estômago”. (Romildo Sant’Anna)
A fumaça utilizada como limpeza é a mais antiga e é também a mais popular do meio xamânico, para purificar pensamentos, sentimentos e espíritos.
Esta herança marca a sua presença directa, como já foi referido, em algumas religiões como o Tambor-de-Mina, o Catimbó, ou o Batuque, com influência mais tardia nos Candomblés de Caboclo e na Umbanda, pelo emprego do fumo “soprado” para curar doenças, como instrumento de trabalho do mundo dos espíritos.
A “fumaça de sopro” na Umbanda
Se todas as plantas são consagradas por Ossãe, não poderemos deixar também de estabelecer uma certa ligação da utilização do fumo dessas folhas com Omulu e Obaluaiê, na sua ligação e atribuições entre a doença e a cura.
Dentro do conceito elemental, o fumo é o vegetal que traz os elementos terra e água, e que, quando utilizado pelas entidades espirituais em seus instrumentos de fumaça, adiciona os elementos ar e fogo.
Estas entidades não “fumam” no sentido vulgar da palavra; usando o fumo para fazer uma defumação direccionada, unindo o sopro, intenção e elemento para alcançar o resultado ambicionado.
O Sopro por si só traz efeitos terapêuticos e espirituais extraordinariamente eficazes nos trabalhos de cura e limpeza. Potenciado pelo fogo imantado com essência das plantas, cria através da “fumaça soprada” pelas entidades, aliada ao pensamento e à reflexão interior, processos físicos que restauram o equilíbrio e harmonia, desagregando energias de baixa vibração.
Além disso, o fumo ajuda também na criação de ambientes vibratórios específicos ao trabalho dos guias de Umbanda, nas suas variadas atribuições e capacidades.
A “fumaça de sopro” é assim um instrumento de trabalho altamente magístico, e o seu uso pelas entidades deve ser muito respeitado.
Se nem todas estas atribuições e conceitos fazem parte de um consenso dentro do Universo Umbandista, também é verdade que tais factos devem ser estudados e analisados, além de sensibilizados médiuns, assistentes, simpatizantes e outros que por um motivo ou por outro são deparados com uma gira de Umbanda, paraque não se caia no erro de desmantelar a verdadeira caridade prestada pelas entidades e mentores espirituais que, utilizando as ferramentas que lhes são oferecidas, se esforçam por trazer aos seus filhos de fé um bálsamo para suas dores.